
A Globo, o Drauzio Varela, a trans Suzy e a opinião pública
O abraço do médico Dráuzio Varela em sua entrevistada me fez lembrar outros episódios de repórteres que se deixaram levar por emoção no cumprimento de suas pautas e muitas vezes vieram às lágrimas ao vivo, outras vezes a própria edição da matéria manteve clara a emoção. Isso é bom para audiência.
Eu muitas vezes também me emocionei em coberturas de pautas. Acima de tudo, somos seres humanos e se perdemos essa essência [a de ser humano] nosso trabalho não terá brilho, não terá verdade. E se não tem verdade, não serve pra nada.
Pensei muito antes de escrever esse texto porque sei do peso de minhas palavras e do reflexo que isso pode trazer para minha vida profissional. E não estou aqui para julgar o trabalho de colegas. Mas o tema extrapolou em todos os aspectos: da humanidade, da ética, da razão, da técnica, do fanatismo, da politicagem podre e nojenta…
Eu já citei aqui em outros textos que meu trabalho de conclusão de curso na Faculdade de Jornalismo foi sobre o sistema penitenciário e por isso conheci bem o universo dos presídios. [sim, sou jornalista raiz, que frequentei uma universidade, sou uma profissional com Diploma de Jornalista]
Tempos depois da faculdade eu voltei a entrar em presidio, mais especificamente no Presídio Feminino do Butantã e também da cadeia de Cotia (você pode ler sobre isso aqui). Em todas as vezes entrevistei presidiários. Eram sequestradoras, assassinas, traficantes [nos presídios femininos a maiorias das presas estão ali por tráfico de drogas, principalmente por tentarem entrar com drogas para seus ‘homens’ nas prisões]
Governadores, artistas, políticos, pessoas comuns ou presidiários, sempre tratei minhas pautas e entrevistados com respeito, independente de quem seja, mas tudo tem um limite e muitas vezes o limite entre a ética, a verdade e a moral é linha muito tênue.
O abraço que comoveu o Brasil se transformou em ódio à Globo e ao médico Dráuzio Varela. Em tempos de fake News até sabermos quem de fato está dizendo a verdade, muita calma nessa hora. Ainda não é possível afirmar que os crimes atribuídos e amplamente divulgados por grupos da extrema direita sejam verdadeiros. Espero que a Justiça e o Ministério Público de São Paulo resolvam essa celeuma. De todo modo, só o fato de Suzy dizer que está há 8 anos sem receber visitas nos leva a crer que seu delito teve uma pena longa e por isso pode ter sido algo grave. Mas está presa e pagando sua dívida com a sociedade.
“Os crimes das entrevistadas não foram mencionados, porque este não era o objetivo” justificou a Rede Globo em nota divulgada na noite de domingo (8). O que não procede pois o crime de Lola, outra trans presa, foi revelado, roubo. Acho muito improvável que o entrevistador, que não é juiz e também não é jornalista, não sabia o porquê Suzy estava presa, nem tampouco a equipe da Globo. Teria a Globo omitido a informação para justificar o abraço de Varela à presa? E com isso provocar a comoção e ganhar audiência?
O abraço de Dráuzio Varela em sua entrevistada mostrou que ele é um ser humano de bom coração. Poucas pessoas teriam esse desprendimento, de abraçar uma pessoa nestas condições. Eu confesso que de todas as vezes em que estive numa prisão em nenhum momento senti esse desejo. Mas não estou aqui para julgar condutas ou posturas de colegas. “Sou jornalista e não juíza, mas tenho sangue correndo pelas veias e estou muito longe de ser esse ser humano tão evoluído como Dráuzio Varela.