fbpx

“A Lei Rouanet virou refém do baronato da cultura”.

A frase é do jornalista e secretário adjunto de Cultura da cidade Cotia, Gilmar José de Almeida ao avaliar as alterações da Lei Federal de Incentivo à Cultura conhecida como “Lei Rouanet” anunciada pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Sancionada pelo presidente Fernando Collor de Mello em 1991, a lei instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, estabelecendo, naquele momento, as políticas públicas para a cultura nacional. Ficou conhecida como Lei Rouanet em homenagem a Sérgio Paulo Rouanet, seu criador e secretário de Cultura da Presidência da República à época.

Agora passará a ser chamada apenas de Lei de Incentivo à Cultura. As novas regras, publicadas no Diário Oficial no último dia 24, alteram os limites de projetos financiados, a distribuição geográfica dos recursos e criam exceções para algumas categorias de incentivos.

O teto dos projetos financiados foi reduzido de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. O máximo que uma empresa pode financiar na modalidade incentivada cai de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões.

As mudanças preveem um foco maior nos estados para além do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Foram introduzidas novas exigências, como a ampliação do percentual de ingressos gratuitos, que deverão ser assegurados entre 20% e 40%. Terão tratamento especial tipos específicos de incentivo, como para projetos envolvendo patrimônio tombado, construções de teatro e cinemas em cidades pequenas e planos anuais de museus e orquestras.

A representante do Brasil no Comitê Internacional de Museus (ICOM – Brasil), Renata Motta, destaca a importância de terem sido excluídos do limite projetos de restauro de patrimônios tombados e planos anuais de museus. Essa exceção pode assegurar a recuperação do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e o Museu do Ipiranga, em São Paulo. Mas ela pontua que pode haver impactos em exposições montadas fora dos planos anuais dos museus. “Há empresas que atuam há muito tempo e que realizaram mostras muito importantes em espaços como o CCBB [Centro Cultural Banco do Brasil], como a sobre o pintor Paul Klee”, exemplifica Renata Motta.

Descentralização

Gilmar de Almeida, que esteve  na Secretaria Especial de Cultura em março, diz que vê as mudanças com bons olhos.

“As empresas usam a Lei Rouanet para fazer marketing puro, e isso é desvio de finalidade pois o dinheiro não é delas, é do Estado”. O gestor de cultura exemplifica com o famoso caso do Circo de Soleil. “Recebeu uma fábula, doou alguns ingressos para a diretoria do patrocinador e para o público, o ingresso mais barato custava R$ 300,00, ou seja, o dinheiro da Lei Rouanet não foi usado para o seu princípio que é fomento, difusão de cultura, formação cultural, para incentivo aos novos artistas, aos movimentos sociais e culturais de base, aos pontos de cultura, aos coletivos…”

A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Glaucia Campregher, que atua na área de economia da cultura, destaca que a descentralização é importante e que o foco em outros estados distintos do Rio de Janeiro e de São Paulo é um propósito relevante, assim como a redução dos limites. Mas ela pondera que há ainda muita desinformação sobre a lei, com a ilusão de que o mecanismo funciona com o repasse de dinheiro pelo governo a artistas. A acadêmica lembra que o incentivo opera de outra forma, com o Executivo habilitando projetos que vão ser financiados ou não pelas empresas, que decidem no fim onde os recursos vão ser alocados.

Por isso, as novas regras ainda dependem de como as empresas vão atuar na prática. “Temos que ver como é que vão ser os comitês de avaliação dos projetos, como empresas vão reagir a isso, como é que vai ‘pegar’.”

Empregos

Na opinião da produtora cultural Andreia Alves (responsável por espetáculos de renome como o sobre Elza Soares), as mudanças poderiam ter sido precedidas de um diálogo maior com o setor cultural para avaliar os impactos, que podem comprometer postos de trabalho. Segundo ela, a cadeia produtiva da cultura emprega atualmente cerca de 1 milhão de pessoas no país. “Acho que faltou uma discussão qualificada antes de tomar essa resolução. Principalmente com relação ao que vai ser afetado com essa redução drástica do teto, de ser R$ 1 milhão por projeto, a gente está falando de redução de empregos drástica de um setor que emprega muito”, sublinha a produtora.

Outros mecanismos

Para o secretário de Cultura do Ceará e presidente do Fórum de Dirigentes Estaduais de Cultura, Fabiano Piúba, a alteração pode dificultar projetos com orçamentos maiores do que R$ 1 milhão. Mas, em sua opinião, a discussão para o problema da centralização geográfica do financiamento da cultura passa também pelo fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura (FNC), formado por verbas do Tesouro Nacional e de loterias. “A gente está num pedaço do debate. A questão substancial da democratização do acesso e da desconcentração de recursos é o fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura. É isso que o fórum defende. Este é o instrumento mais adequado para que os recursos possam chegar aos estados e municípios. E faltam recursos para este instrumento”, analisa Piúba.

O diretor da Associação de Produtores de Teatro (APTR), Eduardo Barata, também destaca a importância do fundo. Para ele, o instrumento mais adequado para a política pública de desconcentração do financiamento da cultura seria o FNC.“O Fundo Nacional de Cultura foi criado para essa função, desconcentrar, apostar na inovação e atender a regiões que não serão contempladas no mecenato”, avalia.

Gilmar pondera que as alterações poderiam ter sido mais amenas. Ele defende que um percentual do aporte das empresas fique na cidade raiz do imposto.

E exemplifica: “a planta da empresa está em Cotia, aqui foi a raiz do lucro que a empresa teve para poder abater esse aporte do IR, essa renúncia é fruto da riqueza, pois só paga imposto quem tem lucro. E muitas vezes não vai para a cidade onde ela tem o seu lucro, o funcionário, o filho do funcionário, a comunidade do entorno que sofreu todo o impacto da operação desta empresa não vai ter acesso a esse conteúdo. Cotia é um exemplo claro de que nenhuma empresa aporta dinheiro em projetos para a cidade”, critica o Secretário Adjunto de Cultura. Ele disse que se articula com outros gestores de Cultura da região e pretende voltar à Brasília para defender essa proposta.

(Com informações da Agência Brasil)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *