fbpx

Alcina: filha de Xangô, mãe de muitos

Bati um papo com a  mãe do Gira Sol, instituto social e Ponto de Cultura que atende cerca de 300 familias carentes da região de Cotia. O preconceito em relação ao Candomblé  ela tira de letra mas o trabalho do instituto não é reconhecido pelo poder público local por dicrimnação

Ela é filha de Xangô, um dos Orixás mais cultuados pelas religiões afro-brasileiras, o senhor do amor, da força, o Deus dos trovões, mas é principalmente o senhor da Justiça.

Estamos falando da Mãe Alcina, 72 anos, que assim como seu Santo, é forte. E uma das figuras mais respeitadas da cidade de Cotia e da região. Representante do Candomblé, a religião trazida ao Brasil por nossos antepassados escravos. Sim, as chances de você que está lendo este texto agora ser um descendente de escravos, como eu sou, é muito grande. E eu tenho um baita orgulho das minhas origens.

A conversa com ela, cheia de curiosidades [da minha parte] e com autorização do Xangô, foi na sede do Instituto Gira Sol, organização social criada por ela e seus filhos para atender famílias carentes, no Jardim Santana, região periférica de Cotia.

Gira Sol

Impossível falar de Mãe Alcina sem falar do Gira Sol. Um lugar com uma energia indescritível. É lá que acontecem os cultos aos santos, os eventos religiosos ao som dos atabaques, incorporações, transes, visões…. Mãe Alcina tem o dom da vidência e eu tinha sempre a impressão de que ela sabia o que ia perguntar antes de eu perguntar. E que “alguém” assoprava ao seu ouvido (talvez fosse Xangô).

Mas é também lá no Gira Sol, um dos quatro Pontos de Cultura de Cotia, reconhecido pelo Ministério da Cultura e pela Secretaria Estadual de Cultura, que tem uma vasta biblioteca e respira cultura o tempo todo, que cerca de 300 famílias são atendidas por mês nos mais variados programas que vão desde o fornecimento de alimentos a atendimentos médicos, psicológicos, terapêuticos, de esporte e lazer.

Caboclo Gira Sol

O instituto Gira Sol, foi fundado em 1987. O nome escolhido não foi por acaso, mas por sua representatividade na cultura do Candomblé que tem entre seus princípios o amor e o respeito pela natureza e depende dela para seus cultos e rituais de cura. O caboclo Gira Sol, um índio com um grande Girassol nas mãos, está no salão nobre da casa.

Oficinas de artes, artesanato, canto, dança, reforço escolar, atendimento psicológico, saúde preventiva, palestras estão entre as atividades e programas desenvolvidos pelo instituto. Os recursos para manter as atividades vem de doações de empresas e voluntários. E vale ressaltar que os atendimentos não estão vinculados às famílias que praticam o Candomblé, mas a todas, independente de religião.

Embora o Gira Sol seja um Ponto de Cultura oficial, tenha todas as documentações em dia e devidos registros, ao contrário de outras entidades filantrópicas ou de serviços sociais, tem dificuldade para buscar recursos e assim melhorar e ampliar seu atendimento.

Preconceito é a palavra. Ocorre que para participar de editais para captação de recursos para projetos, ou ainda para prestar serviços ao Município, por exemplo, é preciso estar registrado nos Conselhos de Assistência Social ou da Criança e a Adolescentes da cidade. Um dos diretores da casa relatou que tempos atrás ouviu de um secretário e presidente do Conselho que o Gira Sol não poderia ser registrado pelo simples fato de “ser uma casa de Candomblé”. Desde então, não buscaram mais por esse direito.

Uma empresa da família destinava parte da verba para custeio de projetos, entre os quais o Pingo de Ouro, que atendia crianças no contraturno escolar, com atividades esportivas, lazer e cultura e reforço escolar, mas a empresa faliu e junto com ela o projeto sucumbiu por falta de recursos. Agora passa por reformulação.

Casa do Carma

Assim Mãe Alcina chama sua casa. Segundo ela porque as pessoas que ali estão, já tiveram alguma ligação em outras vidas e precisavam se encontrar novamente.

Uma das filhas foi escalada para me apresentar o local. Mas não me foi permitido fazer imagens dos altares sagrados onde estão os Orixás.  Passamos por um jardim e logo avistei uma tartaruga, um dos animais associados a Xangô. A jovem filha de Mãe Alcina [ela tem dois filhos biológicos e mais um montão de outros filhos esparrados pelo mundo] foi me apresentando um a um. O primeiro de todos foi Exu, que na verdade estava protegido numa sala fechada e não visível. Senti um arrepio quando cheguei perto daquela porta.

O Exu é uma espécie de “pai dos orixás”, o senhor dos terreiros. É ele quem liga os humanos ao mundo espiritual dos orixás. Não, ele não é o diabo, afirma a mãe de santo. Numa linguagem simples e direta ela explica que o Exu é o responsável pela vida humana, é ele quem dá o sopro da vida e cuida de todos até que um santo assuma essa responsabilidade. “Deus deu a ele essa missão, de cuidar dos seus”. “Todos tem um santo protetor, mesmo os que não nasceram dentro do Candomblé”, afirma Mãe Alcina. Inclusive Jesus Cristo.

Ao longo de nossa conversa, Mãe Alcina – que antes de encontrar seu caminho chegou a frequentar um convento – sempre muito tranquila, com voz mansa e olhar terno que só as mães possuem, falou sobre algumas polêmicas e preconceitos que envolvem o Candomblé e seus orixás, como por exemplo o ato de sacrificar animais e as oferendas aos santos. Vi uma pequena irritação apenas quando a questionei sobre a maternidade de seus filhos não biológicos. Ela não distingue como biológicos ou não, são todos filhos, inclusive com direito a dor de parto.

Mãe Alcina falou sobre a maldade que existe dentro do ser humano e ressaltou o bem, o poder da oração e dos bons pensamentos. Sobre a cidade de Cotia, ela disse que precisa mudar muito.

Acompanhe os principais trechos da entrevista no vídeo.

Axé!


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *