
Vale a pena? Quanto custa o preso provisório? Quanto custa investir no jovem?
Chama a atenção, mas não surpreende, o levantamento apresentado pelo Instituto Sou da Paz e da rede Nossas Cidades em parceria com a Defensoria Pública de São Paulo divulgado pela Agência Brasil. O estudo aponta que o Estado de São Paulo gasta, em média R$ 76 milhões por mês para manter pessoas presas provisoriamente.
O estudo “Vale a Pena? Custos e Alternativas à Prisão Provisória no Estado de São Paulo” mostra que os valores destinados à administração penitenciária cresceram 27,5% entre 2010 e 2017, enquanto projetos destinados à população jovem tiveram investimentos reduzidos.
“A prisão provisória, claro, em alguns casos é cabível, é justificável, mas a gente sabe que no Brasil há um uso excessivo da prisão provisória. Pessoas que poderiam responder o processo em liberdade, mas muitas vezes ficam presas esperando julgamento”, disse Ana Carolina Pekny, coordenadora de projetos do Sou da Paz. Ela explica que a ideia do estudo foi mostrar que há grandes investimentos em repressão, mas há ações de prevenção da violência que poderiam empreender melhores resultados. Foram analisadas 20 mil prisões provisórias.
“Prisão é castigo, não tem o papel de recuperar ninguém. Se o indivíduo está lá é porque descumpriu alguma regra de convivência e deve ser excluído da sociedade”. Essa frase não é minha, mas de um amigo com quem troco alguns pensamentos e ideias, e ficou martelando na minha cabeça. Eu já visitei alguns presídios e também a cadeia de Cotia (você pode ler sobre essa visita aqui) fiz um trabalho de conclusão de curso sobre o sistema penitenciário ao concluir minha faculdade de jornalismo há 22 anos. De lá pra cá pouco mudou no sistema penitenciário. As prisões e cadeias continuam lotadas ou superlotadas, em péssimas condições com presos ociosos ou ainda em plena atividade no mundo do crime. E isso não sou eu que estou dizendo, basta acompanhar as noticias diárias.
Voltei a pensar na tese do meu amigo a quem eu respeito e tenho carinho. Ok, prisão é castigo mas nem todos ficarão na prisão pelo resto de suas vidas. Quando saírem, restam duas alternativas: ficarem com medo de voltar para o castigo ou continuarem na mesma vida que levavam antes. E entramos num círculo vicioso: criminalidade alta, prisões lotadas, reincidências…
Agora voltando ao levantamento do Sou da Paz que utiliza, como estudo de caso, os bairros Jardim Ângela, Freguesia do Ó e Brasilândia. Para manter presos 753 residentes desses distritos foram gastos R$ 4,5 milhões entre 2016 e 2017. O montante supera o valor anual do programa Jovem Cidadão – Meu Futuro, que oferece oportunidades de inserção no mercado de trabalho para jovens. Em relação aos crimes imputados, o estudo aponta que as ocorrências não violentas representaram 22% dos crimes relacionados aos presos da Freguesia do Ó, 12% do Jardim Ângela e 17% da Brasilândia.
Ana Carolina diz que o estado gastou, em um ano, 130 vezes mais com administração penitenciária, cerca de R$ 5 bilhões em 2017, do que gastou com dois programas de atendimento a população jovem: Jovem Cidadão e Ação Jovem. “Fizemos a comparação de quanto o estado está investindo em programas que podem reduzir a vulnerabilidade dos jovens e consequentemente evitar o envolvimento com a violência e quanto ele gasta quando tudo já está perdido, quando ele precisa prender”, explicou.
E nem precisamos ir tão longe para chegar a essa conclusão. Experimente checar aí na sua cidade os investimentos feitos em políticas para crianças e jovens com intuito de formação, inserção no mercado de trabalho, cultura e lazer.
Na minha cidade, Cotia, apesar de alguns avanços, isso ainda está muito aquém do desejado. Vejo o esforço sobre-humano do meu amigo Gilmar de Almeida, secretário adjunto de Cultura em buscar ações e incentivar que envolvam crianças e jovens. Conheço suas ideias e compartilho delas, uma delas é fazer as ações chegarem nos bairros, nas periferias. Mas ainda atinge uma parcela muito pequena do público alvo. E isso se deve ao fato de que o tema ainda não está na lista de prioridades dos governos. Para se ter uma ideia, o orçamento previsto para Cultura, Esporte e Lazer na cidade para este ano é de R$ 17 milhões, estamos no meio do ano e R$ 16, 4 já foi empenhado de acordo com o Portal da Transparência e vale dizer que desse valor, R$ 2 milhões foi investido na Folha de Pagamento.
E ainda em Cotia, continuando a falar de prioridades para jovens, só agora restando um ano e meio para o fim do governo, que o prefeito criou a Secretaria da Juventude e a entregou para o vereador Fernando Jão(PSDB), tido como um defensor da causa jovem. Mas pasta não tem dotação orçamentária por razões óbvias, não estava prevista no orçamento que foi elabora no ano passado. E mais, o secretário que deve ser candidato a reeleição, precisará se desompatibilizar em março de 2020. Ou seja, pouco se poderá fazer além de ações com visibilidade eleitoreiras como autorizar grafiteiros decorar a viela de um bairro como anunciado em vídeo do governo e comemorado por seus aliados como se fosse a oitava maravilha do mundo. Não é. E que o secretário tucano, nunca leve seu colega de partido João Dória ao bairro, pois ele vai mandar repintar tudo de cinza.
Alternativas
O estudo do Sou da Paz revela casos como o de Marcos (nome fictício), catador de material reciclável de 37 anos, que foi acusado de receptação de uma bicicleta roubada em junho de 2016. Ele ficou preso provisoriamente por um ano, o que representou um custo de R$ 15 mil para o Estado. Depois de julgado, ele foi condenado a um mês e cinco dias, pois o juiz reconheceu que ele desconhecia que a bicicleta era produto de roubo. O estudo propõe que sejam avaliadas medidas cautelares, quando necessárias, como alternativas à prisão provisória.
“Tem uma lei, que é a lei das medidas cautelares, de 2011, que traz uma série de ações que podem ser adotadas como alternativas à prisão, além da própria liberdade provisória. Hoje, quando um preso passa por audiência de custódia ele simplesmente poderia ter liberdade provisória e isso significa que ele vai ser processado, talvez condenado, mas vai esperar o julgamento em liberdade”, disse. Ana Carolina se refere, especificamente, aos casos não violentos. “Nossos centros de prisão provisória estão muito lotados, alguns com capacidade acima de 200%. A pessoa é presa numa situação muito indigna. A prisão deveria ser reservada para os casos em que ela é muito necessária”.
De acordo com o Sou da Paz, entre os presos provisórios de São Paulo, muitos são suspeitos de crimes de baixo potencial ofensivo, como os acusados por furtos tentados, receptação e uso de documento falso, além de indivíduos que provavelmente serão absolvidos ou condenados a penas inferiores ao tempo que passaram presos aguardando julgamento. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), quatro entre 10 pessoas que respondem a processos presas no Brasil não são condenadas a penas privativas de liberdade.
Entre as recomendações apontadas no estudo, estão: manter a realização das audiências de custódia presenciais e em até 24 horas após a prisão, além de divulgar dados atualizados a respeito das audiências; priorizar a liberdade provisória sempre que possível e fortalecer encaminhamentos assistenciais para presos; fortalecer a Defensoria Pública de São Paulo; aumentar os investimentos em políticas voltadas à juventude e à redução da vulnerabilidade social; e produzir e divulgar dados regionalizados sobre o orçamento e os gastos públicos.
O que diz o Governo
O governo de São Paulo informou, por meio de nota, que “desconhece a metodologia adotada pelo estudo e esclarece que não houve diminuição nos repasses a programas voltados aos jovens”, destacou que houve ampliação de programas educacionais em 2019 e que o estado “tem a maior rede profissionalizante do país”.
O Estado informou ainda que o programa Jovem Cidadão está sendo reformulado para ser uma modalidade do NovoTec, que “dá oportunidade para alunos do ensino médio cursarem ao mesmo tempo ensino técnico profissionalizante”. Segundo o governo, estudantes do ensino médio da rede pública estadual terão oportunidade de inserção no mercado de trabalho por meio de estágio remunerado em empresas, entidades e órgãos da administração direta. A perspectiva é que, até 2022, o Novotec ofereça cerca de 400 mil novas matrículas.
O programa Ação Jovem, por sua vez, beneficiou, segundo o governo estadual, 500 mil jovens desde 2004. “A meta é readequar o programa para os dias atuais e estabelecer mais parcerias para incluir o jovem no mercado de trabalho. Este ano, o Ação Jovem vai atender mais de 35 mil jovens”, diz a nota.
Sobre as prisões, o governo informou que elas são determinadas pela Justiça. “Desde 2015, quando o Estado firmou termo de cooperação com o Tribunal de Justiça de São Paulo, todos os presos em flagrante são apresentados, em até 24 horas, à autoridade judicial, que avalia a legalidade e a necessidade de manutenção das prisões”.
(Com informações da Agência Brasil)